“Não deixo de conhecer que em Portugal, intrometer-se um Artista a ser escritor é uma novidade, que muitos poderão estranhar; e esta só circunstância é bastante para atrair sobre mim muitas censuras, as quais todas antecipadamente desprezo; porque não as espero dos que são capazes de exceder-me.” Joaquim Machado de Castro
O presente Colóquio insere-se no programa comemorativo do bicentenário da morte do escultor Joaquim Machado de Castro, sendo resultante de uma parceria subscrita pelo Departamento de História, Artes e Humanidades da Universidade Autónoma de Lisboa, a Academia Nacional de Belas Artes e Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
O título eleito Machado de Castro: Artista – Escritor, indicia o eixo definidor das prioridades estabelecidas para o evento, sublinhando a importância da obra literária do escultor como elemento caracterizador – e diferenciador – do respectivo itinerário intelectual e artístico, e de militante nas causas da liberdade de criação e na defesa do estatuto social do escultor.
Do conjunto de textos editados pelo mestre da estátua equestre a D. José I, a Descripção Analytica… é o título que sobressai, reunindo o essencial sobre o seu pensamento enquanto escultor e, simultaneamente, investigador nas matérias artísticas do seu tempo, representando, no conjunto das suas cerca de 400 páginas, a mais completa obra literária sobre o tema.
Apesar de constituir um tratado de expressão ímpar na teoria artística contemporânea, a sua publicação em 1810, pela Imprensa Régia, não teve impacto na literatura internacional, situação derivada, em grande parte, pelo facto de nunca ter sido traduzida para línguas de maior circulação.
Esse desconhecimento generalizado motivou-nos a promover a respectiva tradução para língua inglesa, no âmbito da linha de investigação Urbanismo e Monumentos Públicos (CICH-UAL).
O Colóquio Internacional Machado de Castro: Artista – Escritor, é o momento indicado para o lançamento da referida tradução, proporcionando um novo horizonte de reconhecimento internacional do artista e da sua mais significativa obra literária que, a partir de agora, será disponibilizada a uma audiência global, mais adequada à completa compreensão critica sobre o respectivo significado no contexto específico das Luzes e do ocaso do Absolutismo.
O colóquio celebrando a efeméride procurou, porém, ir mais longe, reunindo mais de duas dezenas de especialistas, distribuídos em dois dias, pelos seguintes módulos:
– A Descripção Analytica: significado no contexto da cultura artística do seu tempo.
– Obra escultórica de Machado de Castro: projectos de conservação e restauro
– Genealogia e Contexto Social: estrutura familiar de Machado de Castro
– A escultura em madeira: circuitos, práticas e sobrevivências
– Ensino e prática da escultura: a coleção de desenho das Aulas de Escultura de Mafra e Lisboa.
O Coloquio encerrará com uma mesa redonda, reunindo artistas, historiadores da arte e especialistas da conservação do Património sob o tema: Monumentos Públicos: Presente e Futuro.
O referido programa comemorativo prevê, igualmente uma exposição relativa aos desenhos das Aulas de Escultura de Mafra e Lisboa e um plano de edições que será apresentado no final do Colóquio.
Natália Correia Guedes
Presidente da Academia Nacional de Belas Artes
Vítor Serrão
Vice-presidente da Academia Nacional de Belas Artes, Professor Emérito da Universidade de Lisboa e Investigador ARTIS – FLUL
Alexandra Curvelo
Professora Catedrática da NOVA FCSH, Diretora do Instituto de História da Arte (IHA-NOVA FCSH / IN2PAST)
Miguel Figueira de Faria
Professor Catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa e Investigador IHA-NOVA FCSH / IN2PAST
Lisboa, 3 de novembro de 2023
9h00 – Receção dos participantes
9h30 – Sessão de abertura
Presidente da Academia Nacional de Belas Artes;
Vice-presidente da Academia Nacional de Belas Artes
Miguel Figueira de Faria, Professor Catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa; IHA- NOVA FCSH/IN2PAST
Alexandra Curvelo, Professora Catedrática da NOVA FCSH, Diretora do Instituto de História da Arte (IHA– NOVA FCSH / IN2PAST)
10h00 – Conferência de abertura
A cidade e o monumento, Gonçalo Byrne | ANBA
I PAINEL | 10h30-13h00
A Descripção Analytica: significado no contexto da cultura artística europeia
Moderação: CHARLOTTE CHASTEL-ROUSSEAU | MUSEU DO LOUVRE
Machado de Castro e a Descripção Analytica: o artista e o direito à edição no final do Antigo Regime
Miguel Figueira de Faria | DHAH-UAL / IHA- NOVA FCSH / IN2PAST
Close and distant reading of François Lemées Traité des Statuës (Paris 1688): on the advantages of a critical annotated hybrid text edition.
Hendrik Ziegler | Philipps-Universität Marburg, Kunstgeschichtliches Institut.
11h30 – Coffee-break
Antonio Canova (1757-1822), Bourbon archaeology and academic debate on the equestrian statue“all’antica” in ca. 1810-1830 between Rome, Lisbon, Naples and Madrid.
Sabina de Cavi | IHA-NOVA FCSH / IN2PAST
Tradução como um ato de comunicar: a tradução da Descripção Analytica (2023) de Machado de Castro.
Josiah Blackmore | Universidade de Harvard.
12h30 – Debate
II PAINEL | 15h00-16h00
Obra escultórica de Machado de Castro: projetos de conservação e restauro
Moderação: António Candeias | UE / Laboratório Hercules
Monumento a D. José I, em Lisboa. Apontamentos sobre os trabalhos de conservação e restauro.
José Delgado Rodrigues | Geólogo, consultor
Notas à intervenção de conservação e restauro da Estátua Equestre de D. José I.
Nuno Proença | NC Restauro
Machado de Castro: esculturas da Quinta Real de Caxias: recuperação, restauro e replicagem.
Carlos Beloto | Consultor em restauro
Um estudo atribuído a Machado de Castro: da análise à sua preservação!
Marta Frade | FBAUL
16h20 – Debate
16h40 – Coffee-break
III PAINEL | 17h00
Descrição Analytica da Execução da Estátua Equestre de D. José I, de Machado de Castro
Apresentação do projeto de tradução em inglês e do e-book
Miguel Figueira de Faria | DHAH-UAL / IHA-NOVA FCSH / IN2PAST
Charlotte Chastel-Rousseau | Museu do Louvre
Patrícia Telles | CEAACP-UC
Mick Greer | CEAUL
IV PAINEL | 9h00-10h00
Genealogia e contexto social: estrutura familiar de Machado de Castro
Moderação: Sandra Costa Saldanha |FLUC / CHSC-UC
Cartografia social de Machado de Castro por Lisboa (1745-1758): mobilidade urbana, carreira e família
Juliano Gomes | CICH-UAL e Patrícia Merlo | UFES/DIAITA-UC
Heranças, tenças, pensões e benefícios da descendência de Joaquim Machado de Castro ou a tentativa de encarcerar a herdeira Mariana Perpétua de Castro e Sousa
Madalena Romão Mira | CICH-UAL
9h40 – Debate
Apresentação do programa de edições 2023-2024, Miguel Figueira de Faria | DHAH-UAL / IHA-NOVA FCSH / IN2PAST
10h15 – Coffee-break
V PAINEL | 10h30-12h30
A escultura em madeira: circuitos, práticas e sobrevivências
Moderação: Vítor Serrão | FLUL / IHA-ARTIS / ANBA
Imaginária devocional na obra de Machado de Castro: do modelo à execução
Sandra Costa Saldanha | FLUC / CHSC-UC
Escultura e Talha religiosa em Lisboa na 2ª metade do século XVIII – uma síntese histórica e documental
Rui Manuel Mesquita Mendes | ARTIS-FLUL
11h30 – Coffee-break
A Escola de Machado de Castro na reconstrução da Catedral de Lisboa
Ana Paula Figueiredo | DGPC
Reforma da Universidade de Coimbra: modelos, oficinas e intervenções no círculo de Joaquim Machado de Castro
Diogo Lemos | CHSC-UC
12h40 – Debate
VI PAINEL | 14h30-15h30
Ensino e prática da escultura: a coleção de desenho das Aulas de Escultura de Mafra e Lisboa
MODERAÇÃO: MIGUEL FIGUEIRA DE FARIA | DHAH-UAL / IHA- NOVA FCSH / IN2PAST
A estatuária Clássica na formação artística
Luísa Arruda | CIEBA-FBAUL e Alberto Faria | CIEBA-FBAUL
A prática do desenho na Aula de Escultura de Mafra
Sandra Costa Saldanha | FLUC / CHSC-UC
O desenho de escultura na coleção do Museu Nacional de Arte Antiga
Alexandra Gomes Markl | MNAA
O exercício do desenho: o espólio de Joaquim Machado de Castro na Academia Nacional de Belas Artes
Andreia Cunha da Silva | ANBA
16h30 – Debate
17h00 – Coffee-break
Mesa Redonda | 17h20-18h00
Monumentos Públicos: Presente e Futuro
Moderação: João Pacheco, jornalista
Fernanda Fragateiro | Gonçalo Byrne | João Duarte | Miguel Figueira de Faria | Sandra Leandro | Teresa Veiga de Macedo | Vítor Serrão
Encerramento | 18h00
Miguel Figueira de Faria
Partindo do comentário de José-Augusto França que considerou a Descripção Analytica… “um livro de memórias” iniciaremos a nossa comunicação por uma revisão da historiografia da obra. Num segundo momento analisaremos a construção da narrativa da Descripção Analytica…procurando identificar as suas referências e originalidades dando especial enfase à relação com a obra contemporânea de Jacques Sally. Por fim salientaremos os acidentes e condicionalismos da edição da Descripção Analytica… (Imprensa Regia, 1810), salientando a importância e o significado para um artista em ter acesso à impressão das suas ideias no contexto do seu tempo.
Hendrik Ziegler
À luz da conclusão da tradução inglesa do tratado de Machado de Castro, publicado originalmente em 1810, vale a pena olhar para outros projetos semelhantes. Diane H. Bodart (Universidade de Columbia, Nova Iorque) e eu (Philipps-Universität, Marburg) publicámos em 2012 uma edição híbrida do Traité des Statuës do jurista francês François Lemée, de 1688. O texto francês e os extensos comentários em francês e alemão estão disponíveis em livro impresso em dois volumes e em linha, mediante pagamento em https://asw-verlage.de/Lemee/?response=—
O tratado de Lemée é um dos escritos mais importantes para justificar a instalação de estátuas de governantes em espaços urbanos públicos no início do período moderno. A investigação aprofundada que realizámos com um grupo de estudantes alemães e franceses, conduz a uma leitura atenta, uma penetração da fonte até ao último pormenor. Mas, ao mesmo tempo, o enriquecimento e a normalização na Internet tornam possível uma leitura distante: por outras palavras, uma visão global distanciada com o objetivo de analisar fenómenos que transcendem o texto e que são possivelmente típicos da época. Com efeito, o tratado de Lemée torna-se mais facilmente comparável à longa série de escritos semelhantes de Paleotti (1582) e Borboni (1661), passando por Patte (1765) e Lubersac (1775) até Machado de Castro.
Sabina Cavi
Nesta comunicação, analisarei o projeto urbano e escultórico da Piazza Plebiscit em Nápoles, centrando-me nas estátuas equestres de Carlos III de Borbon (1716-1788) e Fernando I das Duas Sicílias (1751-1825), da autoria de Antonio Canova e Antonio Calì, desde as primeiras ideias até aos complexos aspetos práticos da sua instalação final em 1829.
Considerá-las-ei à luz da Descripção analitica (1810) de Joaquim Machado de Castro, da prática oficinal e do empenho arqueológico de Canova, e do debate académico sobre a estátua clássica equestre em Roma, Lisboa, Nápoles e Madrid inca.1800-1830.
Josiah Blackmore
Esta intervenção pretende tecer alguns comentários a partir de um desafio que nos foi colocado. Qual seja, pensar a obra “Descrição analytica da execução da estátua equestre erigida em Lisboa á glória do Senhor Rei Fidelissimo D. José I” (1810) do escultor Joaquim Machado de Castro a partir de sua tradução original para a língua inglesa. Neste sentido, interessa pensar a obra do escultor – agora acessível para um público mais variado do que os convencionais circuitos de leitores da língua portuguesa –, como parte integrante de uma literatura internacional coeva e que, entretanto, os entraves implicados pela língua, mas não só, também pelas distintas implicações de dominação simbólica que colocaram Portugal numa posição geopolítica periférica na Europa Ocidental, retardaram até aqui a sua aparição no debate historiográfico internacional da História da Arte.
Interessa, contudo, pensar a obra de Machado de Castro sob o prisma da sua originalidade e do esforço do autor em se mostrar tão atual e conectado à vasta literatura europeia com quem dialoga de maneira exaustiva. Considerando também como o esforço pedagógico do escultor e a sua componente ilustrada se manifestam não só no constante escrutínio das informações coletadas, mas também no esforço de traduzir textos em diferentes línguas para facilitar o conhecimento à um círculo de leitores mais diversificado. Ou seja, mesmo Machado de Castro em finais do século XVIII – quando menciona ter terminado de escrever a referida obra –, compreendia o esforço de tradução essencial para ato de se fazer comunicar. É neste sentido também que é preciso pensar o esforço de tradução feito por essa equipa em seu objetivo e público a que pretende comunicar.
José Delgado Rodrigues
O monumento a D. José I, localizado no Terreiro do Paço, em Lisboa, é constituído por uma imponente estátua equestre do homenageado assente sobre um elegante pedestal de alvenaria de pedra ladeado por dois conjuntos escultóricos de grandes proporções e de delicado recorte artístico. A estátua é constituída por uma liga de cobre, tecnicamente designado por latão do almirantado, liga muito difundida na construção naval e conhecida pelo seu elevado desempenho nos agressivos ambientes marinhos. O pedestal e os grupos escultóricos adjacentes são constituídos por pedra de Lioz de excelente qualidade e de primeira escolha, mostrando o grande cuidado com que o escultor escolheu os materiais que usou.
Os materiais metálicos apresentavam fenómenos generalizados de corrosão, alguns dos quais em evolução, a par de uma cobertura generalizada de produtos de alteração da liga de cobre. As superfícies pétreas apresentavam fenómenos de dissolução pelas águas das chuvas e algumas manifestações de sujidades, nomeadamente de crostas negras e manchas de compostos de cobre. A pedra apresentava-se em muito bom estado de conservação, mas estavam presentes diversas fraturas, algumas com apreciável desenvolvimento, que se veio a apurar serem devidas a fenómenos de corrosão de múltiplos elementos metálicos usados durante a construção para solidarizar os enormes blocos que constituem o pedestal.
A intervenção de conservação teve lugar em 2012-2013, tendo sido coordenada e financiada pela Associação World Monuments Fund Portugal, sob tutela da Câmara Municipal de Lisboa e da Direção Geral do Património Cultural, tendo as ações sido realizadas pela Nova Conservação, Lda.
A apresentação descreve e carateriza os problemas existentes e ilustra as principais ações de conservação implementadas.
Nuno Proença
Entre 2012 e 2013, a empresa Nova Conservação efetuou uma intervenção de conservação e restauro da Estátua Equestre de D. José I, monumento da autoria do escultor Joaquim Machado de Castro e concretizado pelo tenente-general Bartolomeu da Costa. Este projeto decorreu no seguimento de um protocolo celebrado pela World Monuments Fund Portugal (WMF-P) com a Tutela – Câmara Municipal de Lisboa e a Direção Regional de Património Cultural. A presente comunicação pretende abordar, de forma holística, a complexidade desta intervenção.
O projeto contou com uma fase inicial de estudo, essencial para a prossecução das fases seguintes de trabalho e integral para a conservação “documental” do objeto, e que incluiu: a caracterização material e dos principais fenómenos de degradação e alteração presentes; o levantamento arquitetónico e fotográfico do monumento; inspeções estruturais; e a recolha de informações de carácter histórico, artístico e tecnológico em arquivo e no terreno. Partindo desta base, foram definidas e afinadas metodologias e ações conservativas, executadas por uma equipa de conservação e restauro especializada, com o objetivo de: a) estabilizar os materiais metálicos e pétreos e minimizar os processos naturais de degradação, particularmente acentuados nas ligas metálicas pela exposição ao aerossol marítimo; e b) favorecer a leitura e fruição do monumento do ponto de vista material, tecnológico, estético e imagético. O envolvimento de uma equipa pluridisciplinar de ciências exatas e humanísticas e a regular discussão com a Comissão Científica da WMF-P e Tutela foi determinante para as tomadas de decisão efetuadas.
A presente comunicação, 10 anos após a intervenção, permitirá ainda acrescentar um novo olhar sobre como os resultados conservativos, então alcançados, se têm (ou não) mantido ao longo do tempo, e sobre a importância da realização de ações de manutenção na preservação de património cultural.
Carlos Beloto
Apresenta-se a cronologia das esculturas de Machado de Castro, abordando as datas de chegada das esculturas e alguns contratempos verificados com a entrada das peças na Quinta Real de Caxias.
Discute-se o restauro e a replicagem das esculturas da Quinta.
Marta Frade
A reserva de escultura da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa guarda em si algumas obras de Machado de Castro. Outras, estudos ou esbocetos, estão dados como atribuídos a esse grande escultor, mas sem certezas.
O estudo em análise apresentava uma mancha de óxidos de ferro à superfície, o que nos levou a questionar sobre a existência de uma estrutura interna, quando o tamanho da escultura em si, assim não o exigia.
Desta forma iniciaram-se vários exames e análises para entender aquela degradação, mas ao mesmo tempo este estudo material, passou a contribuir, não só para a sua conservação como também para complementar e/ou enriquecer uma base de dados que poderá caminhar lado a lado com a história da Arte, ajudar na atribuição de obras aos seus autores.
O objetivo final desta investigação é construir uma base de dados do material original à qual poderemos, de futuro, recorrer para cruzar informação sobre esculturas de Machado de Castro, que estejam em estudo e na incerteza de serem realmente atribuídas ao escultor.
Assim o conservador-restaurador mostra o quanto a conservação e restauro se encontra num espectro muito amplo no campo expandido das Artes, levando o seu estudo desde a história, passando pela sua produção até à sua preservação.
Juliano Gomes e Patrícia Melro
Nossa intervenção propõe confrontar a narrativa autobiográfica – neste caso, do escultor Joaquim Machado de Castro (1731-1822) –, com a trajetória social do indivíduo. A sedução pela projeção de um discurso romântico que revela o destino exitoso e o talento invulgar de um génio, destaca-se na autorrepresentação que Machado de Castro tentou projetar sobre seu passado, quando já era uma figura destacada da sociedade de corte portuguesa. Na ausência de dados mais detalhados que aqueles apresentados pelo escultor e seu entourage, a narrativa por ele fabricada parece cativar por uma paisagem comum na história dos vultos nacionais pela sua trajetória ímpar. Todavia, nosso esforço aqui se valerá de fontes alternativas às que até agora se tem estudado acerca do personagem. Por meio de distintos tipos de registos paroquiais procuramos refazer o percurso social de Machado de Castro em sua primeira paragem por Lisboa (1745-1758). Se a princípio, os traumas familiares provocaram a tomada de decisões para o processo de migração do jovem Machado de Castro de Coimbra para Lisboa, foi a ação do acaso e a família, novamente, que o levaram a sair de Lisboa e buscar refúgio em Mafra. Não encontramos indícios de que houve projeção consciente e cautelosa sobre tal destino. Pelo contrário, parece terem sido a tentativa de controle de danos e a contingência das ações frente ao imprevisível, os elementos centrais a mobilizar um indivíduo da condição social de Machado de Castro, na tentativa de agenciar um reposicionamento de sua carreira profissional num cenário desfavorável e marcado por muitas dificuldades pessoais.
Embora a documentação permita mapear a mobilidade geográfica e aspetos da vida social do individuo de maneira imprecisa e lacunar, esses rastros fornecem elementos que revelam silêncios e uma aleatoriedade de acasos que, como propomos avaliar, destoam da convencional biografia fabricada pelo personagem. Acreditamos que, a partir desse esforço de revisitar esse período pouco conhecido da trajetória do escultor, possa sugerir um canteiro que poderá ser objeto de outras investigações num processo de conhecimento do passado sempre em renovação.
Madalena Romão Mira
Este apontamento de micro-história parte da investigação de Ana Paula Tudela sobre a ascendência de JMC, para a descendência, fornecendo novos elementos em ambos os contextos.
Em função das diversas verbas recebidas ao longo da vida, que chegaram a provocar a tentativa de colocar uma das filhas num convento, questiona-se a sempre assumida precária situação financeira das filhas, e dá-se a conhecer a tensa relação entre o escultor e o irmão organeiro, António Machado e Cerveira.
Rui Manuel Mesquita Mendes
A construção de novos templos (igrejas, ermidas e capelas privadas) e a reconstrução dos existentes em Lisboa, na sequência do Grande Terremoto de 1 de novembro de 1755, veio introduzir uma reforma no gosto artístico religioso.
Se, em relação à “arquitectura construtiva”, podemos, de algum modo, falar numa continuidade de estilo das décadas antecedentes, o mesmo não parece ter acontecido em relação à “arquitectura imaginária”, em particular no âmbito da retabulística e, em menor escala, da escultura, onde se evidencia, nesse período, a introdução de múltiplas e distintas influências numa espécie de aggiornamento do gosto e das formas decorativas, aplicados ao espaço litúrgico.
Os modelos tardios e depurados do barroco joanino, conhecidos de uma forma genérica, ainda que cronologicamente limitativa, como “arquitectura religiosa pombalina”, tenderão a perdurar e permanecer muito para além deste período nos programas construtivos dos edifícios religiosos da cidade, constituindo, a nosso ver, um dos mais extensos períodos estilísticos conhecidos – quasi 150 anos – , na arquitectura religiosa lisboeta, de que é exemplo seminal, ainda que muito atribulado, a Igreja de São Mamede reconstruída em 1924, após um incêndio, ainda de acordo com os formalismos arquitectónicos da segunda metade do século XVIII.
Sobre a arquitectura e pintura religiosa do período pombalino são conhecidas, ainda que com algumas lacunas, é certo, as cronologias e autorias principais, dadas à estampa ora na «Collecção de memórias» de Cyrillo Volkmar Machado (1823), ora na «Descripção dos monumentos sacros de Lisboa» de Luiz Gonzaga Pereira (1840), e posteriormente ampliadas pelo incontornável Sousa Viterbo, sobretudo nas obras «Diccionário histórico e documental dos architectos, engenheiros e constructores portuguezes …» (1899) e «Notícia de alguns pintores portugueses …» (1903); e por algumas obras da olissipografia contemporânea e em estudos académicos mais recentes.
Já sobre a escultura e a talha, o cenário é bem menos exuberante, apesar de os principais escultores deste período, como: – Francisco Xavier (Inácio ?), Francisco António e António Machado, discípulos de José de Almeida; – Manuel Vieira e o seu discípulo António dos Santos Cruz; – Nicolau Pinto; ou os incontornáveis – Alessandro Giusti e seus vários alunos; – Joaquim José de Barros Laborão e o seu mestre João Paulo; e o nosso homenageado – Joaquim Machado de Castro e seus discípulos; serem dignos de menção e por vezes largos encómios por Cyrillo.
Volkmar Machado também menciona, ainda que de forma breve, dois entalhadores: – Félix Vicente de Almeida, «famoso Architecto, e Entalhador da Casa Real», irmão do escultor José de Almeida, «genro de Ignácio de Oliveira (Bernardes), e cunhado de Silvestre de Faria (Lobo, act. 1745-1800), também Entelhador, e Architecto, discípulo do Frederico» (Machado, 1823: 205); no que foi seguido pelo Cónego Joaquim Maria Pereira Botto, na obra «Promptuario analytico dos carros nobres da Casa Real Portuguêsa e das carruagens de gala» (1909), mas ambos omitem outros três próximos de Silvestre de Faria, o seu irmão Matias José de Faria (act. 1747-1814), entalhador da Casa do Infantado e do Priorado do Crato; o seu discípulo António Ângelo, que lhe sucede como entalhador da Casa do Infantado e da Casa Real; e o seu compadre e genro do conhecido mestre azulejador Teotónio dos Santos, o arquitecto e entalhador Joaquim José dos Reis (1725-1804), que se sabe ter ocupado o cargo de mestre de obras do Real Colégio dos Nobres em Lisboa e que recentemente identificamos como autor do risco e planta da Igreja do Monte de Caparica (Almada) (1773).
Matias José, António Ângelo e Joaquim José não são, contudo, os únicos entalhadores activos em Lisboa na segunda metade do século XVIII a passar despercebidos nos relatos da época, o mesmo aconteceu com nomes como: – António José de Matos; – António Nunes Colares; – Caetano Jacques; Francisco António (de Araújo ?); – Francisco Martins da Silva; – Joaquim José dos Reis; – José de Abreu do Ó; – José António Lisboa; – José Bernardo da Luz; – Luís António do Rego; – Manuel da Silva Moreira; – – Paulo da Silva; e – Ricardo António Xavier.
Na presente comunicação procuraremos fazer uma síntese histórica e documental com dados e actores até agora desconhecidos do panorama das Escultura e Talha religiosa em Lisboa na 2ª metade do século XVIII, lançando mão de fontes documentais provenientes da Mesa do Desembargo do Paço, dos Cartórios Notariais e do Juízo do Cofre das Colectas (1768-1854).
Ana Paula Figueiredo
A Sé de Lisboa encerra vários elementos atribuídos ou mesmo assinados pelo mestre Joaquim Machado de Castro, onde se destacam, obviamente, os túmulos régios de D. Afonso IV e D. Beatriz, o Presépio existente na Capela de São Bartolomeu e algumas esculturas de vulto. Não poderemos colocar de parte a ideia de que possa ter colaborado no desenho e conceção das caixas dos órgãos de António Xavier Machado e Cerveira, ajudando a criar o efeito cenográfico pretendido para a capela-mor da Catedral. Uma certeza é que Machado de Castro criou uma escola de escultura, com vários discípulos, limitando-se, em alguns casos a adjudicar a obra e a entregar-lhes a sua execução. Pretendemos, com este modesto contributo, divulgar alguns destes anónimos mestres.
Diogo Lemos
No início da década de 1770, a Universidade de Coimbra era acusada do desfasamento da realidade cultural europeia e de perpetuar um método de ensino monopolizado pela escolástica aristotélica e pelos proscritos membros da Companhia de Jesus, enfim considerados os principais “inimigos da Universidade e das luzes”.
Inscrito num paulatino e ambicioso projeto de renovação do ensino, Sebastião José de Carvalho e Melo encarrega D. Francisco de Lemos do cargo de Reitor Reformador da Universidade (1772), abrindo caminho para uma profunda mudança do quotidiano académico, plasmada nas inúmeras obras de requalificação e reconfiguração dos circuitos universitários, dentro e fora do Paço das Escolas. Processo longo que se estende, com mudanças significativas e ainda por compreender, para o reitorado de D. Francisco de Mendoça (1779-1785), ao abrigo do designado período da Viradeira, garantiria a captação de artistas com ligação ao contexto oficinal e corporativista de Joaquim Machado de Castro, como Nicolau Vilela e António Machado. Mas não apenas.
Incidindo sobre as campanhas artísticas empreendidas no (es)paço universitário durante a transição do reinado de D. José I para o de D. Maria I, em particular, na Capela de São Miguel, a presente comunicação visa contribuir para o enquadramento da atividade de escultores-imaginários inscritos no círculo de Machado de Castro. Malogradamente ignorados e remetidos ao anonimato, serão trazidos à colação os nomes de Joaquim Bernardes – autor das quatro imagens de São Francisco Xavier, São Francisco de Borja, Santo Agostinho e São José – e de José Veloso da Silva, escultor desconhecido cuja autoria da imagem de Nossa Senhora da Conceição da capela universitária se associa. No mesmo sentido, o foco no estudo destas obras permite a compreensão do seu contexto de encomenda e do seu devir iconográfico, espelhando o panorama político de mediação e revogação das provisões pombalinas.
Luísa Arruda
O desenho da estatuária clássica como veículo essencial da formação artística: formação do gosto, entendimento das proporções ideais do corpo humano, do correto tratamento da cabeça, aprendizagem da anatomia superficial, sentido do decoro nas atitudes. O desenho de estátua como modo de preparação para o desenho do modelo vivo.
Desenhos de Francisco de Holanda e o Livro das Estátuas de Machado de Castro, duas épocas de desenho, outras formas de entendimento da escultura clássica.
Da importância das coleções de gessos nas escolas de arte e a complementaridade das estampas e livros com imagens da estatuária clássica, nas bibliotecas de arte
Desenhos de estátua na Academia e Escola de Belas Artes, da cópia de estampas ao desenho de estátua ou desenho do antigo.
Alexandra Reis Gomes Markl
O desenho preenche uma grande variedade de funções segundo o método de trabalho de cada escultor, dos contextos de estudo académico, aos momentos de reflexão e estudo rápido para captação de uma ideia, aos registos de precisão na elaboração de um projeto para responder a uma encomenda ou ainda como referência de memória. Nesta intervenção abordam-se os diversos escultores portugueses representados na coleção de Desenho do Museu Nacional de Arte Antiga e as diferentes funções do desenho na escultura.
Andreia Cunha da Silva
Decorridos duzentos anos do falecimento de Joaquim Machado de Castro, o escultor mantém-se como uma referência na arte de esculpir e na História de Arte em Portugal. O presente ensaio tem por finalidade elaborar uma apreciação de desenhos existentes no espólio da Academia Nacional de Belas Artes, e observar as suas (dis)semelhanças com os debuxos inéditos atribuídos às Aulas de Escultura de Mafra e de Lisboa, descobertos recentemente, pertencente a colecionadores privados; associando-os igualmente às leituras que o artista poderá ter realizado.
Oradores
Oradores
Alberto Faria
Alexandra Gomes Markl
Andreia Cunha da Silva
Ana Paula Figueiredo
António Candeias
Carlos Beloto
Charlotte Chastel-Rousseau
Diogo Lemos
Fernanda Fragateiro
Gonçalo Byrne
Hendrik Ziegler
João Duarte
João Pacheco
José Delgado Rodrigues
Josiah Blackmore
Juliano Gomes
Luísa Arruda
Madalena Romão Mira
Marta Frade
Mick Greer
Miguel Figueira Faria
Nuno Proença
Patrícia Merlo
Patrícia Telles
Rui Mesquita Mendes
Sabina de Cavi
Sandra Costa Saldanha
Sandra Leandro
Teresa Veiga de Macedo
Vítor Serrão
Comissão Cientifica:
Alexandra Curvelo da Silva Campos, IHA-NOVA FCSH / IN2PAST
Charlotte Chastel-Rousseau, Centre Ledoux/ Musée du Louvre
Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, EA-UCP/CITAR
Luísa Arruda, CIEBA e ANBA
Maria de Lurdes Craveiro, Museu Nacional Machado de Castro
Maria João Neto, FLUL/IHA-Artis
Miguel Figueira de Faria, DHAH-UAL/ IHA-NOVA FCSH / IN2PAST
Patrícia Telles, CEAACP – Universidade de Coimbra
Pedro Flor, UAb; IHA-NOVA FCSH / IN2PAST
Sandra Costa Saldanha, CHSC – Universidade de Coimbra
Susana Varela Flor, IHA-NOVA FCSH / IN2PAST
Teresa Leonor Vale, ARTIS – FLUL
Vítor Serrão, ANBA
Comissão Executiva:
Andrea Imaginario
Andreia Cunha da Silva
João Francisco Fialho
Juliano Gomes
Madalena Romão Mira
Nicoli Braga Macedo